Minerar debaixo de água já é possível e tem assinatura INESC TEC
Minerar debaixo de água já é possível, provou-se rentável economicamente e vantajoso para o meio ambiente.
28 dezembro 2018
A exploração de minério em minas abandonadas e inundadas é possível graças ao desenvolvimento de um sistema robótico, que é composto fundamentalmente por um veículo de mineração subaquático de 25 toneladas, um submarino de inspeção autónomo para apoio à operação e uma barcaça de suporte à operação.
O veículo maior trata-se de um robô de 25 toneladas com capacidade de partir rocha e bombear o material extraído para a superfície de um lado e com um braço hidráulico com ferramentas intermutáveis do outro. O mais pequeno, chamado EVA, movimenta-se em torno do local de mineração, atualizando de forma constante um mapa 3D da área e transmitindo esta cartografia ao veículo maior, de modo a auxiliar na navegação. O robô EVA foi criado por investigadores do Centro de Robótica e Sistemas Autónomos (CRAS) do INESC TEC, assim como todo os sistemas sensoriais que permitem a navegação e a operação do robô de 25 toneladas.
Tudo isto foi possível graças ao projeto europeu VAMOS (Viable Alternative Mine Operating System), com um orçamento superior a 12M€ e financiado em 9,2M€ pelo programa da Comissão Europeia Horizonte 2020, cujo objetivo passa pela exploração subaquática de minas terrestres.
Os dois robôs usam múltiplos sensores para a navegação e posicionamento de elevada exatidão, e para observação do meio que os rodeia. Assim, é combinada a informação proveniente de sonares, câmaras e de um medidor de distâncias a laser que permite a operação do sistema, onde quer que estejam e sob quaisquer condições de visibilidade. Os dados recolhidos, depois de processados e combinados, são enviados para um piloto no centro de controlo, que os consegue ver exibidos numa consola multi tela, num ambiente de realidade virtual. Uma versão futura pode também ser capaz de visualizar o tipo e concentrações de minério à medida que é extraído, permitindo assim continuar a explorar aquele que é mais rico e não continuar a investir no mais pobre. Esta informação é fornecida pelo sistema de classificação e avaliação de minério, feito através de espectroscopia de plasma induzido por laser, que foi também desenvolvido por investigadores do INESC TEC, mais precisamente do Centro de Fotónica Aplicada (CAP).
Sobre o EVA
O EVA é um veiculo versátil e multifunções que combina as capacidades de posicionamento e navegação de elevada exatidão, com um conjunto único de sensores de observação como sonares multifeixe 3D, câmaras e sistemas de luz estruturada para perceção tridimensional do ambiente, com capacidades de movimentação omnidirecional. Estas características, únicas para um robô com estas dimensões, permitem a sua utilização eficaz quer em aplicações de mapeamento em levantamentos iniciais quer para inspeção detalhada e apoio à operação da máquina de mineração.
“O EVA consegue operar debaixo de água durante cerca de sete horas, só ao fim desse período é que é necessário trocar as três baterias de um quilowatt, um processo que é feito em cinco minutos, ou regressar à estação de carga. O robô tem capacidade para descer a 500 metros de profundidade, mas alguns dos sensores que integram o EVA já têm capacidade para descer a 3 mil metros. Uma vez que pode ser facilmente adaptado, o objetivo, no curto, é torná-lo capaz de descer até mil metros de profundidade”, explica José Miguel Almeida, investigador coordenador do CRAS e docente do ISEP.
O robô EVA está agora no Laboratório de Robótica e Sistemas Autónomos do INESC TEC, localizado nas instalações do Instituto Superior de Engenharia (ISEP), depois de ter sido testado com sucesso na Irlanda.
Projeto VAMOS foi testado durante dois meses nas minas de Silvermines, na Irlanda
Foi durante dois meses que decorreram os testes deste sistema robótico na mina inundada de Magcobar, em Silvermines. De acordo com José Miguel Almeida, “o VAMOS foi dos projetos mais exigentes em que participámos. Durante dois meses mobilizámos equipas de investigação para estarem em ambiente de mineração dia após dia. Os briefings começavam às sete da manhã e até ao final do dia o sistema robótico não podia parar, pelo que o nosso nível de prontidão tinha que ser elevado, algo que é completamente contrário ao normal funcionamento de um processo de investigação. Conseguir que equipas multidisciplinares compostas por elementos de vários parceiros industriais com diferentes metodologias, assim como de institutos de investigação e outros universitários mais académicos, com diferentes formações e interesses, colaborassem efetivamente foi um processo de aprendizagem. O que aconteceu na Irlanda foi único nesta área”.
Para transportar todo o sistema do VAMOS, incluindo o robô de 25 toneladas, a barcaça e a estação de controlo, foram necessários 17 camiões TIR e envolveu vários meses de preparação de toda a logística. Passados os quase dois meses de teste, houve espaço para duas demonstrações públicas. Participaram nestas demonstrações 85 pessoas, desde membros dos 17 parceiros que integram o projeto, a geólogos e investigadores de empresas e instituições externas ao consórcio e, até mesmo, a populações locais.
Os participantes na sessão, para além de terem tido oportunidade de ver explicado pelos membros do consórcio conceitos relacionados com os desenvolvimentos do projeto e ideias de implementação futuras, foram levados de barco pelo lago até ao navio de lançamento e recuperação, onde puderam ver os robôs de mineração a serem implantados e retirados do fundo da mina onde estiveram a trabalhar durante algumas semanas. As operações, por vezes a profundidades que atingiam os 57 metros, passavam pelo corte e operação do material em diversos cenários, bombeando posteriormente o material cortado para um depósito em terra, para posterior avaliação e caracterização da eficiência do processo.
Foi ainda mostrado aos visitantes a cabine de controlo e o centro de dados, onde tiveram uma experiência prática com a interface homem-máquina de realidade virtual. É a partir destes locais que todas as componentes da tecnologia são controladas e as operações de recolha de dados em tempo real são recolhidas.
O porquê da aposta da Comissão Europeia neste tipo de tecnologias
José Miguel Almeida explica a importância que este tipo de projetos tem para a Comissão Europeia (CE): “a preocupação da CE ao apostar neste tipo de projetos prende-se, sobretudo, com a dependência do exterior para obter matérias-primas fundamentais para a indústrias e em como explorar recursos que detém. Apesar de a maioria das minas, quando foram fechadas, não serem economicamente viáveis, a verdade é que grande parte delas tem matéria-prima muito elevada e que, por isso, faz com que possam voltar a ser rentáveis”.
Atualmente a União Europeia (UE) consome 25 a 35% do metal produzido a nível mundial, enquanto que a extração mineral na Europa ascende apenas a 3% da produção global de minério, o que significa que a UE importa cerca de 200 milhões de toneladas de minerais por ano.
Os criadores do sistema robótico
Apesar de este consórcio ser composto por 17 parceiros, pertencentes a nove países europeus, as principais instituições responsáveis pelo desenvolvimento destes robôs foram essencialmente cinco: SMD (Reino Unido), BMT (Reino Unido), DAMEN (Holanda), INESC TEC (Portugal) e SANDVIK (Áustria).
O VAMOS, que teve uma duração de quatro anos, está quase a terminar e já há manifestações de interesse para transferir tecnologias como EVA e os sistemas de navegação e mapeamento para o mercado.
“Se houver, de facto, vontade de transferir o EVA para o mercado vai ser necessário adaptar o protótipo para um produto, o que vai logo tornar necessário padronizar as operações, de modo a que qualquer pessoa, independentemente de ser especialista ou não, consiga operar o robô”, conclui José Miguel Almeida.
A equipa do INESC TEC que participou ao longo de quatro anos neste projeto é constituída por investigadores do CRAS e do CAP. Os investigadores do CRAS que ajudaram a desenvolver o sistema VAMOS foram: Alfredo Martins, António Ferreira, Bruno Matias, Caio Lomba, Carlos Almeida, Eduardo Silva, Eduardo Soares, Henrique Silva, José Miguel Almeida, Ricardo Pereira e Tiago Pereira. Pedro Jorge, Rui Martins e Miguel Ferreira, foram os investigadores do CAP que participaram neste projeto.
Para mais informações: http://vamos-project.eu/
Os investigadores do INESC TEC mencionados na notícia têm vínculo ao P.Porto-ISEP e INESC TEC.